segunda-feira, 8 de março de 2010

Percepção

Houve um tempo em que eu achava que todas as pessoas eram boas, que maldade era coisa de filme, só pra dar emoção de assistir. Com o passar dos dias e anos, aprendi que aquilo que eu via nas histórias fictícias não só era real, como era uma grande atenuação da verdade. A princípio isso me preocupou, me senti mal, mas depois pensei que tudo isso só existia longe de mim, que ao meu redor só existiam uma família que se preocupava comigo e amigos leais. Novamente passa o tempo, e com ele vem um choque ainda maior, de realidade, de conhecimento súbito do real. Lembro-me que a primeira vez em que fui assaltado, tomei um susto, mas não acreditei muito no que acontecia. Lembro-me de pensar "Ih, essa pistola é igual à do jogo de pc! Eles fazem as armas iguaizinhas às de verdade!". Somente depois do ocorrido consegui processar o que havia acontecido. "Caraca, roubaram o carro da frente e assaltaram quem tava atrás! E se eu estivesse no carro da frente?!". A partir daí eu percebi que vivia num mundo que na verdade não conhecia, ou conhecia, mas não estava preparado pra isso. Veio o medo. Sair sozinho de casa parecia uma sentença de quase-morte. Veio a indiferença. Se for pra ser, será, não vou me preocupar mais com isso. No dia em que convenci um assaltante a me deixar ir embora, o medo foi-se quase que por completo. Quase. Comecei a prestar atenção ao que se passava ao meu redor, fiquei mais atento. Engraçado que isso tenha se refletido até mesmo em meu círculo de amizades. Agora percebia pequenas nuances de comportamento que denunciavam fatos escondidos, verdades não ditas, ou simples segredos de adolescentes. Percebendo do que era capaz, logo supus que estaria sujeito à análise alheia da mesma forma que eu o fazia com os outros. Tentei me esconder atrás de uma caricatura de mim mesmo, para que ao menos dificultasse a visão indiscreta. Percebi que isso funcionaria em alguns casos, mas não em todos. Percebi que não consigo usar uma máscara sempre que gostaria, me sinto sufocado e sou forçado a arrancá-la. Refleti. Tudo o que vi até agora seria a realidade ou uma fina casca do que são as pessoas? Não haveria jeito de saber senão observar ainda mais, aguçar ainda mais minha percepção adquirida pela violência e aplicada às amenidades diárias. Por vezes me calei e apenas observei, momentos esparsos e raramente percebidos. Percebi que todos eram como eu, tentavam não deixar transparecer tudo o que realmente eram, talvez por medo. Por vezes também não conseguiam, e arrancavam o espanto escondido dos olhos dos demais. Foi então que cheguei a uma conclusão, a complexidade humana vai além do que é revelado, ela reside no recanto mais escondido de cada um, onde existe o que talvez não deva ser entendido, apenas admirado.