terça-feira, 22 de março de 2011

Conto nº 1

Era a mesma história, repetida todos os dias. Eu saía de casa, sempre na mesma hora, e andava até o ponto de ônibus. Subia no coletivo com o motorista habitual e, sem mudança na rotina, lá estava ela. Eu sempre a via naquele trajeto matutino, sempre. Na maioria das vezes lia um livro, com fones nos ouvidos. Algumas vezes percebia meus olhares aflitos, quase que agarrando-se àquela linda visão que era seu rosto. Fingia que não percebia, mas eu sabia que era notado. Seu rosto corava-se enquanto a cabeça inclinada para baixo deixava penderem os cachos dourados por sobre sua testa. Saltávamos no mesmo ponto e eu a seguia até seu prédio, como que lá a levasse e lhe deixasse, desejando um bom dia. Eu, então, continuava andando até minha sala e me inundava com as tarefas diárias. E assim foi durante algum tempo.
Certo dia, porém, algo havia mudado. Não sabia ao certo o que era, mas sentia que isso traria consequências. Subi no ônibus e a encontrei, radiante como sempre. Nossos olhares se encontraram mais uma vez, mas havia algo novo, algo que não conseguia identificar. Pela primeira vez sentei-me ao seu lado, já que era a única poltrona vaga. Escapando dos fones, reconheci aquela música, era minha banda preferida. Arrisquei um comentário. "Música legal essa aí". Ela me encarou, com um certo olhar surpreso, mas de certa forma me parecendo aliviado. Continuei. "Sabe, essa é a minha banda preferida". Nunca ouvira antes sua voz, mas aquele dia era diferente. "Sério? É a minha também!".
Então eu percebi o que havia mudado.

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